Leia a história TEMPO DE VIDA e reflita.
Boa leitura.
TEMPO DE
VIDA
Chato. Esse foi o primeiro pensamento que tive no dia,
logo após acordar. Me levantei da cama, tomei uma ducha rápida, comi uma
torrada, me troquei e sai de casa para ir trabalhar. O dia estava limpo, sem
nuvens no céu e o vento estava suave como uma brisa, o que deixou a temperatura
muito agradável.
Lá estava eu, indo trabalhar a pé, pois minha
situação financeira estava complicada e tinha que economizar, então aquilo
aconteceu. Recebi uma ligação do escritório, eles estavam cobrando alguns
documentos que já foram entregues no dia anterior e estavam muito bravos, eles
não me escutavam enquanto eu tentava dizer que os documentos estavam na mesa da
coordenadora do setor financeiro, o que começou a me deixar irritado e eu
estava prestes a soltar alguns palavrões para ver se eles me ouvissem quando
fui empurrado com força para a frente.
Joguei o celular para o lado e coloquei minhas mãos
na frente para evitar que eu batesse a cabeça no chão e meus joelhos
amorteceram o resto da queda, pouco segundos depois ouvi um som ensurdecedor de
algo batendo com força no chão.
Olhei para trás e no lugar onde eu estava a poucos
segundos havia um gigantesco piano preto destruído. Muitos curiosos começaram a
se juntar ao redor, a tirar fotos e telefonar para a polícia ou para lá quem
seja. Me levantei e comecei a procurar quem havia me empurrado, todos os rostos
estavam focados no piano destruído, mas uma pessoa me chamou a atenção, era uma
pessoa com o cabelo todo desgrenhado, suas roupas estavam sujas e rasgadas e
ele era muito magro, um mendigo?
Tentei correr atrás dele, mas a multidão me impedia
de chegar até ele, até mesmo de sair daquele círculo então subitamente números
começaram a surgir em minha vista, números aleatórios de vários dígitos e
sempre mudando.
Preciso sair daqui, e rápido. Pensei e
logo em seguida comecei a forçar caminho entre a multidão e os números. A
primeira coisa que aprendi sobre esses números era que eles eram intangíveis,
pois tentei afastar alguns do caminho e minha mão passou direto por eles, como
se fossem hologramas.
Andei de forma rápida para longe da multidão,
tentando alcançar o mendigo que me salvou, mas ele era rápido e logo o perdi de
vista. Olhei ao redor e vi os números aleatórios em cima da cabeça de várias
pessoas, quando percebi que eles não eram tão aleatórios assim, cada pessoa possuía
um conjunto de números em cima de sua cabeça, e esses números iam diminuindo,
provavelmente a cada segundo que se passava, o número diminuía.
Do outro lado da rua, vi um senhor de idade andando
com dificuldades e os números acima de sua cabeça estava perto dos trinta,
fiquei observando o velho enquanto ele andava e os números diminuíam, dez,
nove, oito, sete. Ele vai morrer?,
pensei. Três, dois, um, zero. Então o velho fez uma careta e soltou um
grunhido, colocou sua mão direita em cima do peito esquerdo e o apertou, como
se tentasse apertar o próprio coração, ele se ajoelhou e então caiu de lado,
sem vida, as pessoas ao seu redor correram para ajudar, mas já era tarde.
Os números significavam o tempo de vida das pessoas,
supus. Olhei para meu reflexo em uma vitrine próxima e me surpreendi com o que
vi, digo, com o que eu não vi, não havia números em cima de minha cabeça, o que
isso significa? Como eu ganhei essa habilidade? Ou será que isso é uma
maldição? Acordei hoje sem ver isso, e quando notei que eu conseguia ver esses
números... foi logo após me salvarem! Foi o mendigo que me deu essa habilidade,
ou jogou essa maldição em mim, mas ele sumiu.
Comecei a correr a procura do mendigo, mas não o
encontrei em lugar algum. Passei por um hospital e vi alguns números com menos
de três dígitos, o que não me parecia ser algo bom, mas como era em um
hospital, provavelmente era inevitável.
Voltei para casa e me joguei no sofá. Fiquei
olhando para o teto por um tempo então me sentei inclinado para a frente e
apoiando meus braços nos joelhos e minha cabeça em minhas mãos, pensativo.
Liguei a televisão e o noticiário da manhã já estava informando sobre o piano
que quase me matou, vi o tempo de vida das pessoas através da tela da
televisão, inclusive do apresentador do jornal.
Saber quando uma pessoa irá morrer, ninguém
acreditaria em mim. Pensei em diversos casos que eu veria uma pessoa, saberia
quanto tempo de vida lhe restava e não pudesse fazer nada para mudar isso, e
isso começou a me deixar maluco. Eu tinha que me livrar disso logo, mas como?
Provavelmente terá que ser da mesma forma que foi me passado, salvando a vida
de alguém. É isso! Preciso salvar a vida de alguém, mas vai ser difícil.
Após tomar minha decisão, me levantei do sofá e sai
de casa novamente, determinado. Andei sem rumo pela cidade até chegar a uma
praça e para meu azar, e sorte dos outros, não encontrei ninguém que estava
para morrer. Comecei a ficar desesperado, imaginando ver o tempo restante de
minha família, de gente próxima a mim, chegando a zero e eu não ter forças para
fazer algo para impedir isso.
Saí da praça e olhei para o céu, que estava ficando
alaranjado escuro, estava anoitecendo. Parei em uma faixa de pedestre onde o
sinal estava vermelho e senti a necessidade de olhar para mais adiante de onde
eu estava, do outro lado da rua, quando vi uma garota se aproximando correndo,
ela aparentava ter não mais que dezesseis anos, mas seu tempo de vida estava em
vinte e descendo cada vez mais, olhei para os dois lados da rua e vi um
caminhão seguindo em alta velocidade então as peças se encaixaram, a menina
iria ser atropelada pelo caminhão e morreria na hora.
Sem pensar muito, corri em direção a garota, que
tinha começado a atravessar a rua e parou na hora que viu o caminhão chegando,
então saltei e por pouco também não fui atropelado, consegui salvar a garota,
agarrando-a e caindo na calçada. As pessoas viram a cena e começaram a se
juntar, enquanto eu me levantei e sai correndo, a menina finalmente saiu do
estado de choque e olhou ao redor, procurando algo ou alguém, nossos olhos se
cruzaram quando me virei para verificar se ela estava bem, ela se levantou e
tentou me seguir, mas a multidão impediu ela e então eu sumi de sua vista,
assim como os números sumiram da minha.
FIM.
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